Um príncipe encantado apareceu-lhe enquanto tentava apanhar o autocarro.
Um conto #5 | Ray Bradbury Challenge
A avenida de Gaia fervilhava de gente. Muitos apressavam-se para o jardim do morro, para apanhar uma boa fotografia do pôr do sol sob a cidade do outro lado da ponte, outros corriam na direção contrária, de passe na mão, para não perder o comboio. Trespassava-os um vento agreste que se levanta enquanto a noite se punha.
Ela deambulava devagar em direção à pobre paragem do autocarro de pernas que nem pedras, e a alma derramada na sala de exame que deixara. Naqueles dias insólitos, perguntava-se sobre o porquê da vida.
Desde da poente, ela era seguida por um príncipe a montar um cavalo branco, que a julgava em apuros.
— Não precisas de ajuda? — Dizia o homem em cima do cavalo.
— Podes ir embora.
Ela não olhava para ele. Desviava o olhar – como se fazia com os vendedores de rua – que lhe falava.
— Não precisas de ajuda? — Lá ele tentava um sorriso aberto, o que a lembrava da cadeira do dentista. — Talvez um novo outfit… ou um beijo leve para te acordar um um longo coma?
— Pareço-te em coma?
— Posso lutar contra gigantes! — Disse ele a levantar a espada comprida que antes carregava à cinta. — Posso levar-te para um castelo! Arranjar-te uma cama de 7 colchões, converter-te em princesa!
— Pareço-te em coma? — Ela ergueu as mãos depois de ter falado, como se o parasse de responder. Não queria saber o que tinha a dizer. — Não quero ser sequestrada.
— Serias feliz para sempre! — Disse depois do cavalo relinchar.
Até o bicho estava cansado.
Por momentos, a rapariga pensou nas meninas que são raptadas.
— Não queres salvar outra rapariga?
— O génio mandou-me salvar-te a ti. E eu cumpro ordens.
— Cumpres ordens, mas beijas mulheres que não querem ser beijadas?
Ele perdeu o sorriso por momentos. Voltou a prender a espada à cinta.
— Mas… estou a salvá-las!
— Como sabes se precisam de ser salvas?
— Precisam sempre de um salvador.
Ela bocejou. Já tinha ouvido aquilo.
Antes que ele pudesse voltar a falar, ela puxou-o para baixo do cavalo e agarrou-o pelo colarinho.
— Eu sou uma donzela. Não há perigo aqui. Tem um bom dia. Chegou o meu autocarro.
Ela acenou ao condutor do autocarro, passou o cartão e fecharam-se as portas quando o autocarro arrancou.