Duas páginas do meu novo livro:
Margaret acordou no meio do da noite com fome. Quando não comiam nada, a barriga dela era amiga à hora de jantar, mas cruel às primeiras horas da madrugada. Como ia ganhar dinheiro para a família toda? O pai, claro, ia continuar a trabalhar, mas cada vez aguentava menos horas de trabalho.
Num futuro próximo, seria ela a encher a mesa, fosse de carne ou de bolotas, e todos sabiam como é que as mulheres faziam fortuna.
O corpo ganhara uma energia que lhe pesava no peito. Arrepiou-se, como se fosse vomitar.
Levantou-se da cama. As carroças com ferros desalinhados estalavam lá fora, como se falassem. O barulho desaparecia devagar, com o esforço dos burros a puxar peso pela rua acima.
Todos sabiam como as mulheres faziam fortuna. Voltou para dentro da cama, mesmo com a mente inquieta.
Os dentes batiam com tanta força que ela trincou os dedos dentro da boca. Souberam-lhe a carvão, então cuspiu-os fora novamente, e a mão voltou para debaixo da colcha. Fechou os olhos com força.
Se o pai não encontrasse trabalho rápido, iam para a rua.
E depois da rua, ela sabia o que lhe esperava…
Um dos bebés começou a chorar. Acordou o outro.
O aperto na garganta continuava. Margaret levantou-se de vez. Alinhou as madeixas grossas de cabelo de volta a uma figura composta.
O que ia fazer?
No dia seguinte, o pai saiu mais cedo que o habitual para alguém o empregar naquele dia. Margaret sabia que estaria de volta antes das dez da manhã. Todos os seus colegas de trabalho estariam naquela correria também, a bater às portas todas… e se o conhecesse, sabia que ele não ficaria naquele cenário durante muito tempo.
Apanhou a pouca roupa seca para o cesto.
Decidiu fazê-lo. Atirar-se às febris horas da madrugada e trazer comida para casa.
Depois do jantar, vestiu o melhor vestido que tinha e borratou a cara com pó de arroz. Os nervos faziam com que os sapatos a atraiçoasse nas escadas, mas Margaret sobrevivera.
As ruas conhecidas esmoreciam. Os tons cinzas do fumo das fábricas agora caíam sobre as ruas londrinas, criando um manto escuro cruel.
As suas mãos trémulas, como se doentes. O sabugo das unhas roxo. O seu lábio destruído, como se roesse mais, ele fosse desaparecer. Estava completamente apavorada.
Até ali, nunca tinha conhecido nenhum homem, nunca tivera vontade de acrescentar outro prato à sua mesa. Mas não era burra, sabia o que era esperado dela.
Quando conseguisse um cliente, perguntava-se não ia fugir para dentro de sua casa e chorar o resto da noite. A noite ainda não começou e era isso que ela já queria fazer.
Fechou as mãos com força, até as unhas se pregarem impressas nas palmas magras. Apressou-se a descer a rua, para não perder a noite completa.
Esperava menos pessoas na rua. Casais passavam animados, poucos solteiros por sua infortuna, ou fortuna, sem saber bem qual delas era.
Devia de estar a usar aquela roupa? A incerteza atacava como se fosse deixar de respirar. Tentou sorrir aos homens que passavam, mas os nervos faziam-lhes cara feia.
Pelas rua dos norte da cidade, aragens mais ricas, havia miúdas que já estavam a trabalhar. Quando Margaret passava, olhavam-na por cima do ombro do cliente com um olhar duro.
Talvez a razão para a falta do sucesso fosse o facto de ter o peito tapado, deduziu.
Puxou o tecido que lhe tapava o decote para o lado. Mas as noites gélidas de março não convidavam a roupa descascada. Era a camada apropriada para a missa de domingo, tal como a usava.
Os olhos saltaram para o estranho que se dirigia a ela, ao estalar dos pedregulhos da estrada. Um homem, já longe de sóbrio, sorria-lhe ao longe. Os dentes grandes, e a barba mal aparada… ela perguntou-se: o que se notaria mais quando a empurrasse contra a parede?
— Quanto levas por uma foda? — Perguntou já junto dela.
Tresandava a Absinto e cigarros baratos.
Margaret não tinha pensado na conversa negocial.
— Onde é que fica o teu quarto?
Não o podia levar para a casa que partilhava com a família.
— Eu não tenho um quarto. — Ela tentou sorrir.
O homem, mesmo sem conseguir segurar-se, cuspiu-lhe para os pés.
— Cabra estupida. — Gritou.
Ele seguiu caminho, para a sua colega debaixo do próximo cadeeiro a gás a poucos metros. Margaret viu-se sozinha novamente, com o vento cruel londrino a bater-lhe na cara. A corrente viva do rio Thames batia nos postes de madeira, rítmica, como se a visse ali, e julgasse o que estava a fazer.
Ficou de olhos húmidos e as mãos tremiam-lhe. Nem para aquilo servia!
Mais grunhos ouviam-se à distância. Fechou os olhos. O corpo dela arrepiou-se. Sentia-se enojada até à alma. Não ia voltar a fazer aquilo. Nunca.
Os grunhos não seguiam o ritmo normal que todos pareciam seguir. Em vez de uma lenta ascensão até um pico nojento, pareciam-lhe estagnantes. Será que com os homens era assim?
As vozes ficaram claras como se viessem na direção dela. Margaret correu para a esquina do edifício e escondeu-se.
Eram três homens, com a estatura de quem trabalhava nas docas ou carregavam coisas o dia todo. Gritavam uns com os outros, ao empurrar um carro de mão normalmente puxado por dois cavalos. Pelos trilhos que as rodas rudimentais deixavam no chão, tinha mais peso do que devia. Um pano grosso, esverdeado, tapava qualquer coisa.
Um deles parou, deixando o carro cair para eles.
Uma mão humana, cortada pelo pulso, tombou para a estrada. O detrás, por reclamação dos colegas, pegou no membro sem qualquer cuidado e atirou-o para cima da carroça.