"De que fala o teu livro?" E agora?
A melhor maneira de responder a esta pergunta que assusta os escritores.
Se pretendes algum dia mostrar o teu trabalho, vais ter que resumi-lo em duas ou três frases, de forma a deixar a pessoa a querer ler mais.
Já vivi isto também. Já escrevi vários livros, e de uma forma ou outra TENS QUE FALAR DO TEU LIVRO! Seja para os amigos, ou seja para os possíveis leitores do teu livro.
Que autores precisam de saber resumir o seu livro?
Os profissionais
Os amadores
TODOS!
Vamos?
Primeiro,
Um pitch (ou proposta de livro) deve capturar a essência do teu livro e EXPLICAR a razão por que as pessoas devem estar interessadas em lê-lo. Os pitches devem ser breves: algumas centenas de palavras escritas ou 60-90 segundos de conversa.
Como deves escrever no teu pitch?
1. Preocupa-te em vender a história em geral - de que trata, quem são as personagens e qual o conflito interno /externo que vamos assistir!
a. Porque é que deveria ler este livro? Porquê este e não outro?
É importante pegares num papel e realmente responder a estas perguntas. Se não tiveres resposta, ainda, não te preocupes (o facto de te preocupares com estas coisas já é bem acima do normal do resto dos autores)
Neste processo podes mencionar outros livros:
2. Título de comparação: uma pequena lista de livros aos quais os teus se assemelham.
Muitos editores vão querer saber quais livros comparáveis estão por aí, tanto para ter uma noção do plano de marketing do livro, quanto como te vais diferenciar de outros autores.
Segundo,
Um exemplo de um bom Pitch é a Logline - uma maneira prática para sintetizar a história para caber dentro dos 90 segundos!
Uma boa logline é o exemplo de estrutura dada pela Pixar:
Era uma vez ___. Diariamente, ___. Um dia ___. Por causa disso, ___. Por causa disso, ___. Até que finalmente ___.
Ou outro formato mais comum:
[Seu protagonista] é uma [descrição de uma linha do seu personagem] que vive em [seu ambiente incrível]. Mas tudo isso muda quando [seu enredo].
Um dos exemplos mais populares na internet de um resultado com sucesso (na minha opinião nem tanto):
Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle: um sociopata de alto funcionamento de Londres vitoriano resolve os crimes que a Escócia Yard não pode. Esta coleção de histórias foca-se em Sherlock Holmes, um homem extremamente inteligente que supera os criminosos mais astutos. Este detetive mestre deve resolver os enigmas mais difíceis e encontrar pistas invisíveis para os outros. (36 palavras);
O que para mim está de errado aqui?
Tens que assumir que ninguém que ouve/lê o teu pitch conhece as tuas personagens. Então quem é o Sherlock Holmes? Hoje não chega dizer que ele “é mias inteligente que os outros detetives”. Se é um detetive perfeito, então a história é aborrecida porque ele mal vê o corpo morto, ou lhe é contado o caso, ele já sabe logo quem é o culpado. COMO TODOS JÁ CONHECEMOS SHERLOCK HOLMES, assumimos tudo o que ali não está dito.
Sim, ele é um génio. Mas apenas a resolver crimes, porque no resto da vida ele não sabe o que fazer. A sua intolerância a situações sociais é o que faz de Sherlock uma personalidade tão incrível. Ele pode ser grande a resolver crimes, mas depois de resolver o caso e vai beber um copo, é um tipo igual a nós, que não sabe muito bem como falar para quem ele não conhece, sem quaisquer capacidades sociais.
Não mostra grande ação, além de resolver crimes. Sim, ele é ativo a resolver crimes, mas é o seu trabalho. E além do seu trabalho? É como ver um grande mestre de Xadrez a jogar contra uma criança, de olhos fechados. Sim, ele está a jogar e até pode ser o melhor do mundo naquilo, mas eu sei como é que vai acabar. Ninguém ia ver o jogo até ao final. Não prende ninguém.
A história tem que ser de igual para igual. Tem que ser uma batalha de box de 12 rounds, e acabarem os dois sangrentos, a respirar com dificuldade, e ninguém sabe quem realmente vai ganhar.
Ideia de dificuldade onde está? Ideia de combate? Onde estão o conflito interno ou externo? Onde está os “stakes”? O que acontece se Sherlock não resolve o caso?
Terceiro,
Um bom exemplo!
Rita de Nova está no TOP da Wook esta semana com o novvo “As coisas que faltam”:
Quando tinha oito anos, Ana Luís pediu pela primeira vez para conhecer o pai. Era muito comum a mãe dizer-lhe que não a tudo - não, não podia ir para casa das colegas porque tinha de estudar; não, não podia comer gelados porque eram só gelo e açúcar. De todas as respostas negativas que estava habituada a receber, porém, aquela foi a que doeu mais.
Ana Luís cresce a sentir que lhe falta algo e que não pertence a lado nenhum. a convivência com a mãe, uma mulher fria e dominadora, aprisiona-a num lugar solitário.
É na figura do pai que deposita todas as suas esperanças: ele é a peça do puzzle que falta e, quando o conhecer, a sua vida vai finalmente fazer sentido e sentir-se-á completa.
Eu adorei este pitch - porque todo o texto que vai na contracapa é um pitch - porque explica à audiencia exatamente o que podem esperar, relembra-os de outros livros parecidos com drama familiar, e dá-me uma boa ideia do que posso esperar (já sei que respostas posso esperar que ela responda).
É um pouco longo, mas tolerável.
Não é um livro para mim, mas é um exemplo excelente!
Foca-se na personagem. “É na figura do pai que deposita todas as suas esperanças: ele é a peça do puzzle que falta e, quando o conhecer, a sua vida vai finalmente fazer sentido e sentir-se-á completa.”
A personagem é ativa: “Ana Luís pediu” “Ana Luís cresce a sentir que lhe falta algo”
Stakes: o que acontece se não conhece o pai? “quando o conhecer, a sua vida vai finalmente fazer sentido e sentir-se-á completa.”
Espero que tenha ajudado.
Soares de Albuquerque