4 regras que o João Tordo me ensinou sobre a criação de personagens
Que me ajudou a escrever o meu livro.
Tens um livro na gaveta que precisa de brilho?
Olá, eu sou a Maria, e tenho quatro livros na gaveta.
Escrevo desde 2017. Já escrevi muitas coisas más, e algumas boas, mas se existe uma área na escrita a que me dedico, são as personagens.
O meu sonho é mostrar as minhas histórias.
E o que é uma boa história, se não um conjunto de personagens, e as suas peripécias?
Precisas de personagens inesquecíveis se algum dia queres que o teu livro tenha impacto.
Precisas de saber como se criam boas personagens - depois de 3 mil anos de ficção, há regras delineadas para o sucesso.
As personagens são o sangue do teu livro.
Uma personagem inesquecível pode separar-te dos aspirantes a escritores, e finalmente lançar a tua carreira!
João Tordo, um dos mais reconhecidos escritores portugueses, deu uma masterclass que tive o prazer de acompanhar, e ficam aqui as suas maiores lições.
Se precisas de ajuda a editar o teu livro, isto é para ti!
Regra nº1: Todos sabemos cantar os Parabéns
Tordo começa por contar que a sua avó, mesmo com cem anos e esquecida do que acontecera naquele dia, ainda se lembrava como se cantava a música universal “parabéns a você”.
Porquê? Porque é uma composição simples e universal. Tem uma estrutura definida e rítmica, como maior parte da música. Tem 1) uma base harmónica - uma estrutura; e 2) uma melodia, que embora possamos decorar e encaixar na cabeça depois de a repetir tantas vezes - isso já não se ensina.
Então: uma estrutura matemática, e uma melodia. Tal como a ficção.
Na ficção (tanto na ficção de género como na “ficção literária”), o papel do escritor é também este. Precisamos de construir um esqueleto resistente - um esqueleto igual a muitos outros que já existem na bibliotecas e livrarias, e depois de uma base forte, precisamos de uma melodia única. São as flores que adornam o jardim. O que nos atrai àquela história.
O Tordo explica que a melodia não se ensina. Que ele não a consegue ensinar. Mas insiste na importância da leitura.
A melodia de cada história é, talvez, é o toque que cada escritor dá àquele esqueleto. Sem um bom esqueleto, não há livro, então vamos a ele!
A prática leva-te a descobrir que melodia gostas de acrescentar a uma história.
Regra nº2: A diferença entre a história que contas ao jantar e um livro de ficção
Estás na autoestrada. Mãos suadas agarradas ao volante. Na beira da estrada, em vez das pequenas luzes da cidade, está um carro a arder. Encostas o carro e corres para a ajudar. Não havia ninguém dentro do carro. Ninguém precisava de ajuda.
Bom mistério, uh?
Chegas a casa contente por o carro não ter explodido contigo perto e todos abrem a boca à tua história. E continuam a comer depois das perguntas às quais tu não sabes responder.
Isto não é um livro. Pelo menos não é um bom livro.
Porque é que saber isso importa? Porque vais perder tempo a escrever histórias que não são histórias.
Os leitores sabem o que é uma boa história, e quem é o aldrabão que promete uma história e não cumpre.
Mas então o que é uma história?
Tordo argumenta que esta seria uma história se encontrasses dentro daquele carro a arder o teu chefe que nunca te promoveu, e faz do assédio moral uma coisa rotineira. Ou o amante com que a tua mulher te trae.
E aí, ao ve-lo preso dentro do carro, duvidavas se deverias chegar à frente, partir o vidro e salvar uma vida, ou resolver o teu problema.
Os juristas chamariam a isto erro sobre o tipo justificador. Os escritores chamam a isto o dilema interno - o internal conflic que guia o enredo - e não ao contrário.
A personagem é um ser vivo. Tem valores bem firmes e outros para os quais ainda duvida.
A literatura de género tem sempre um conflito externo que todos conhecem - ninguém quer ler sobre um espião, ou um médico, que não salva ninguém. (Por exemplo, se eu me sentar para ver uma série de bombeiros e não houver fogo, vou ficar desapontada… Mas enquanto cada género tem as suas espectativas para o enredo, a personagem que seguimos tem que ter os seus dilemas também.)
A personagem tem um ponto de vista emocional. Quem era a personagem antes daquele momento? Porque é que toma as decições que toma? Qual é o seu dilema interno?
Pensa: Se o Joker visse um carro a arder, o que faria? E se o Capitão America visse um carro a arder, o que faria?
Espero que chegues a respostas diferentes. E depois pensa: porquê? Porque é que a minha resposta é obvia? Porque eu conheço as personagens, porque são tridimensionais.
Regra nº3: O arco da personagem conta-se em “pontos de viragem”
O que faz um bom livro? Boas personagens.
O que faz boas personagens? Pontos de viragem.
O que é um ponto de viragem?
A resposta não é fácil. Mas torna-se mais fácil pensar nas tuas personagens favoritas. E opô-las aos teus filmes favoritos de género (thrillers, policiais, dramas médicos, ect).
Para ser mais fácil, (por iniciativa minha), vamos usar O crime do Expresso do Oriente, e Poirot como personagem principal (protagonista deste e muitos outros livros/filmes).
No inicio,
é um detetive competente, capaz de descobrir a verdade por detrás de qualquer crime.
É seguro de si mesmo - não se importa que as pessoas achem o seu bigode estranho.
No fim,
é um detetive competente, capaz de descobrir a verdade por detrás de qualquer crime.
É seguro de si mesmo - não se importa que as pessoas achem o seu bigode estranho.
Poirot não mudou. Podiamos ler 50 livros sobre esta pergonagem como 1000 livros, e nada mudava. Ele começou perfeito e acabará perfeito.
Embora Poirot seja memorável, podia ser trocado por qualquer outro detetive, que a história não mudava. É memorável pela fama de Agatha Christie, porque por si só nunca saíria das estantes poeirentas.
A história do crime no Expresso do Oriente seria muito diferente (e muito melhor), se Poirot não acreditasse nas suas capacidades no inicio do livro, ou tivesse errado e condenado a pessoa errada no seu último caso.
Não é muito interessante ver um detetive que nunca erra a … não errar.
A mudança - a necessidade de mudança no incio, e a conquista da “pessoa nova” no fim - é o que nos capta a atenção!
Era muito melhor que nós soubessemos das suas dúvidas - do seu conflito interno (goal vs fear) - antes de o atirar-mos para dentro de uma carruagem com um conjunto de assassinos.
A mudança da personagem é a melhor parte da história - que define o género de ficção literária.
Mesmo se procuras literarura de género - e o plot seja cheio de espectativas dos leitores para determinadas cenas - ninguém gosta de abrir um livro de ficção e acompanhar personagens vagas, desinteressantes, sem qualquer vontade ou medos, ou objetivos.
Os pontos de viragem são o resultado do conflito. Ou seja:
A personagem tem um objetivo - uma vontade. Tem também um medo que confronta essa vontade, que gera CONFLITO INTERIOR.
O conflito leva a uma resolução, que é simbolizado pela mudança da personagem - É UM PONTO DE VIRAGEM.
O melhor recurso para a criação de personagens que eu conheço é o canal da Abbie Emmons. Ela tem um post no bolg sobre este tema que recomendo.
Regra nº4: Recomendações de livros sobre a disciplina da escrita.
Perguntei que livros ele recomendava para estudar a ficção:
Bird By Bird, de Anne Lamott;
The faith of a writer, de Joyce Carol Oats
Cartas a um jovem escritor, de Colum McCann
Por mim:
Story genious, de Lisa Cron.
Save the cat writes a novel, de Jesica Brody
The anatomy of Story, de John Truby
E muita ficção, claro.
Espero que tenhas gostado, e te seja útil,
Continua a escrever!